Pequena

Você chegou, Lua do Riverwood. Nome pomposo e justíssimo para um ser que nasceu com uma perfeição admirável. Uma schnauzer branca mais que perfeita.
Veio de presente e entrou numa matilha que já contava com mais 6 irmãos peludos caninos e 3 irmão peludos felinos. E justamente por causa disso foi imediatamente apelidada de Pequena, por ser a menorzinha de um grupo que o mais pesado tinha 62 kg contra os seus minguados 2,5 kg (na fase adulta apenas 5kg, se mantendo menor que os gatos). Nem você mesma atendia se te chamassem de Lua. Mas quando você ouvia Pe…. suas orelhinhas espertas já se levantavam em alerta total.
Sim, não foi nada fácil se impor no meio desses grandalhões e em menos de uma semana você já os comandava. Era a Alfa dessa matilha.
Olha, que Pequena arretada!!!!
As vezes batia no pobre Bento (santo Bento), por outras passava pendurada com seus dentinhos no focinho da Nyanga e por outras dava uma encarada no Tom (gato que bate nos cachorros) que ele perdia o rumo.
Você se impôs, no meio deles e foi a rainha absoluta de todas as nossas casas por 14 anos em que amamos você com todo o nosso coração.
Pequena, a que mais se adaptou em todas as residências dentro e fora do Brasil. Chegava, cheirava a casa toda e escolhia seu canto. Você mesma escolhia e lá colocávamos suas 3 camas, eleitas como trono e você nem ligava se o mundo estava para acabar ou não. Bastava que você em segundos entendesse onde estavam suas camas, seu jardim, e suas tigelas. Impressionante como isso não durava mais do que 15 min de entendimento.
Ou seja, você era muito “facinha”.
Entrava em carros, trens, ônibus, barcos e aviões com essa mesma lógica e nada te aborrecia. Apenas deitava e dormia o sono dos deuses.
As pessoas se incomodavam com essa sua independência e total liberdade. Por que será que as pessoas se incomodam tanto com que vive em liberdade absoluta? Mas quem sabia que você era aquariana, entendia muito bem que você estava a anos luz a frente…
Seu mal humorzinho que eu amava, principalmente quando eu apertava você em meus braços e te enchia de beijos ate você rosnar. Ah! Como isso me divertia, meu esporte predileto.
Hoje tive que deixar você ir…
Que difícil…
Lutamos, eu e você, lado a lado por longos dois meses dolorosos.
Mas sofrer não dá, quero ter ao meu lado alguém que interceda por mim com o mesmo amor que tudo que fiz por você. Que te ame até o último sono profundo e muito além.
Agradeço por cada minuto que você esteve me ensinando a ver a vida com outro olhar. Te agradeço por cada instante de amor que seus olhos olharam os meus e eu pude te ver e me reconhecer.
Te amarei… e te agradeço ainda por ter me feito hoje, chorar todos os lutos desses últimos tempos tão difíceis e duros.
Minha Petchena, minha Tum Tum, minha branquinha.
Bento está ansioso te esperando para você mandar nele de novo.
Seguirei te amando sem fim.

Aniversário Mãe Menininha do Gantois


 
Hoje, dia 10 de fevereiro, essa iluminada guerreira faria 125 anos. Seu aniversário de nascimento não é somente a razão por eu estar escrevendo essa carta hoje. É também para falar um pouco das suas lutas, que são lutas de todos nós brasileiros miscigenados que construíram esse Brasil.

É bom que se faça uma retrospectiva do que representa sua dinastia num momento tão delicado que nosso país está vivendo e que tantas importantes conquistas veem sido colocadas a prova.
Ela é bisneta de nobres africanos que foram desrespeitados em sua terra, com o comércio dos mais absurdos que esse planeta já viu acontecer, tendo sua família trazida num navio negreiro e aportado na Bahia. Seu avô era um escravo alforriado e sua vó a fundadora em 1849 do ILE IYÁ OMI ÀSE IYAMASÉ – TERREIRO DO GANTOIS.

O Terreiro passou por todas as perseguições quando o culto do candomblé era proibido no país.

Com a hierarquia respeitada e que só pode ter como dirigentes mulheres (o que já é uma resistência), ela foi sagrada Iyálorixá em 1922, aos 28 anos.

Assumiu não só a dificílima função de ser a rainha do trono de um dos Terreiros mais importantes do Mundo, mas principalmente adotou a continuação da luta contra as perseguições aos ritos africanos, a luta pela emancipação das mulheres e a luta dos negros. Ao mesmo tempo que foi a primeira Mãe de Santo a abrir as portas para que brancos e católicos pudessem frequentar o Terreiro. Atitude até hoje questionada. Mas se tem algo que essa mulher sempre se preocupou na vida foi fazer com que todos entendessem que somos iguais perante a força maior, vinda de onde e da forma que vier.

Olha só que interessante, foi justamente em meados dos anos 70, em plena ditadura militar que foi extinta a Lei de Jogos e Costumes, que proibia os ritos e etc.

Essa lei foi a que ela mais driblou durante maior parte de seu reinado. Com aquela doçura impressionante que eu tive a honra de desfrutar e aquela firmeza e braveza que tantas vezes assisti inebriada num misto de admiração e temor, mas acima de tudo respeito, que ela foi ganhando espaço e lutando contra as “forças da ordem”.

Assistia regularmente as missas católicas e até conseguiu convencer o bispo a permitir a entrada de suas filhas de santo, vestidas com suas roupas do candomblé para assistir as missas nas igrejas de Salvador.

E ela mesma está exatamente hoje reafirmando que o fato de não estar presente fisicamente, seu legado não pode ser esquecido e seu terreiro jamais afrontado.

Que toda sua luta não foi em vão.

Seus verdadeiros filhos irão dar continuidade as suas conquistas. Jamais irão esquecer que somos todos iguais e que devemos, acima de tudo respeitar o humano que ainda exista em nós. Resistiremos e nossas preces sempre serão para que nosso TERREIRO DO GANTOIS siga sendo reverenciado e amado com sempre foi.

Que Oxossi, Oxum, mãe da sua representante mais duradoura e importante, Mãe Menininha do Gantois, e o Deus da justiça e dono dessa casa Sangò, iluminem o Terreiro, seus descendentes e dirigentes para que sua dinastia não se perca e principalmente seja mantido intacto a força e poder do ASÈ desse espaço sagrado.

Lúcia Veríssimo

Ricardo Boechat

Ricardo Boechat

Não é só uma perda pelo homem gentilíssimo, querido, com uma qualidade das que mais admiro num ser humano que é o senso de humor.

Não é só a perda da pessoa leal, correta, profunda e brilhante. E embora a dor dessa perda seja imensa para minha história num Rio de Janeiro que não mais existe, onde por tantas vezes pudemos rir juntos e com esse canceriano como eu, dividir situações pela cidade, mas meu querido Ricardo era agora o Boechat que estava preenchendo uma lacuna imensa no país.

Sua lucidez, seu jornalismo sério e imparcial, seu comprometimento com a informação real e suas discussões sobre todos os assuntos e acima de tudo sua coragem em dar nomes aos bois e questionar de forma transparente todos os prefeitos, governadores, ministros, juízes do STF, advogados, secretários de estado, empresários, pessoas públicas ou não, que veem vergonhosamente vilipendiando nosso Brasil.

Ele era uma voz que todo o brasileiro estava se fiando para que um novo país pudesse surgir.

Ele era os olhos dos que não tinham visão clara para entender os gestos indignos como o povo vem sendo tratado.

Ele era o que as escolas e universidades não estão fazendo pelo Brasil. Seu programa na rádio e seus comentários na TV eram a educação que o nosso povo necessita nesse momento que nos falta tanta dignidade. Um jornalismo sério e verdadeiramente imparcial, onde somente a notícia nua e crua era anunciada, com os comentários de alguém que queria mesmo ver uma nova nação surgir e sem a falsa leitura dos idealismos.

Perde sua família, perdem os cariocas (mais uma perda para a cidade) e perde muito o país.

É devastadora essa perda.

Ricardo Boechat você não podia nos deixar agora. Eu sinto muitíssimo, do mais profundo do meu coração.

E para lembrar que maçã não cai do pé de coqueiro, aí vão as palavras de Mercedes… Acorda Brasil!!!

https://youtu.be/s_GiDjbBbgE

E agora, Gabeira?

Era início dos anos 80 quando tive meu primeiro contato direto com Fernando Gabeira, que até então era para mim, um dos ícones da luta contra a ditadura a qual fomos aprisionados por mais de 20 anos. E ele estava fundando no Brasil o Partido Verde, que há anos eu tinha como idealismo político assistindo o trabalho feito por um partido nos mesmos moldes e nome na Alemanha.

Radical defensora do meio ambiente como sempre fui, arregacei as mangas e ao lado de Lucélia Santos, Sirkis, Minc e o próprio Gabeira, sem nenhum recurso financeiro, passamos a lutar para que ele participasse ativamente na política brasileira.

O desenrolar dessa história é complexa e daria praticamente um livro. Mas esse post agora é para afirmar que Fernando Gabeira continua me reapresentando. Por sua lucidez, por seu comprometimento, por sua honestidade e visão ampla sobre o meu país. Sei que muitos (infelizmente a maioria) têm preguiça de ler, mas nesse momento tão delicado em que nos encontramos, essa matéria é necessária.

Obrigada, Gabeira, por nesses anos todos você confirmar que jamais errei na escolha que fiz há mais de 30 anos. #fernandogabeira #luciaverissimo #partidoverde

E agora, Gabeira?

RIO

É impressionante como o lugar que a gente nasce tem um efeito extraordinário e positivo sobre o nosso ser.

Como se preencher de um aleitamento materno num momento de vazio.

Foi assim que me senti quando fui ao Rio há duas semanas. Reconfortada.

Não fazia ideia da falta que estava me fazendo sentir a energia de onde fui gerada, criada, moldada…

Nunca foi tão claro entender sobre aquela régua e compasso que a Bahia deu à Gilberto Gil.

O Rio me deu régua, compasso, ginga, atitude, malandragem, sedução, cheiro de maresia e principalmente estrutura.

E foi atrás dela que fui.

Estava me sentindo deslocada, solta num espaço sem um fio condutor. E tem momentos que se sentir assim é muito assustador.

Já vivi fora do meu país e confesso que é chato se sentir estrangeiro. É bom quando podemos sentir o lugar que te viu nascer e crescer.

Andar por suas esquinas, encontrar olhos, vozes, acenos tão familiares.

Andar sem pensar que caminho você está fazendo, pois são os caminhos que te encontram e não ao contrário.

Assim pude me sentir de novo livre.

São as nossas raízes.

Como é importante a busca dessas raízes. É na verdade, fundamental.

E o encontro com meus amigos foi algo de extraordinário. Noooossa!!! Fez toda a diferença. São muitas vidas vividas junto.

Não me arrependo de ter escolhido Sampa para viver atualmente, mas sei que agora tenho que me reestruturar de vez em quando.

Rio terra de veludo, me guarda me rege e me ilumina.

AUSÊNCIA

Poema Vinícius de Moraes, música Goran Bregovic, voz Lúcia Veríssimo

Hoje recebi de uma das minhas melhores amigas uma mensagem de texto afirmando nossa ausência uma da outra (estamos em cidades com 500 km de distância e vidas repletas de compromissos), mas me mandou um poema de Drummond que dizia assim:

 ” AUSÊNCIA

Por muito tempo achei que a ausência é falta 

e lastimava, ignorante, a falta.

Hoje não a lastimo.

Não há falta na ausência. Ausência é um estar em mim.

E sinto-a tão pegada, aconchegada nos meus braços

Que rio e danço e invento exclamações alegres.

Porque a ausência, esta ausência assimilada,

Ninguém a rouba mais de mim.”

 

E me deu uma enorme vontade de escrever sobre a ausência.

Engraçado pensar na ausência como um preenchimento, mas pensando bem, estar vagando com alguém dentro de si é não estar sozinho, de fato.

São as lembranças, as imagens do que vivemos, o cheiro ainda sentido e os sons também ecoando profundamente nos labirintos da nossa cabeça.

Fico com a impressão que essa ausência toma de assalto os martelos de meus ouvidos e se põe a martelar aqueles gemidos e sussurros que não se deixam calar.

Como admitir esse caminhar cheio de sofreguidão como sendo invasão?

Não, Clarice tem razão, “saudade é como fome. Só passa quando se come a presença”.

Mas acabo de perceber que é aí que se tem que mergulhar, no entendimento de que estando pleno de uma ausência, se está acompanhado de uma escolha e que temos enfim, uma companheira que não nos abandonará.

Clarice me veio novamente dizendo:

“…Que minha solidão me sirva de companhia.
que eu tenha a coragem de me enfrentar.
que eu saiba ficar com o nada
e mesmo assim me sentir
como se estivesse plena de tudo.”

Mas ela também afirma

“Há momentos na vida em que sentimos tanto a falta de alguém que o que mais queremos é tirar essa pessoa de nossos sonhos e abraçá-la.”

E o que é a ausência senão um afastamento. E afastamento não pressupõe não existência e sim que alguma coisa pode vir, ou voltar, para mudar esse sentimento.

Então sigo preenchida de você que agora dentro de mim está, como um órgão a fabricar alegrias que me levem a conquistar espaços longínquos e viagens astrais de pura satisfação.

Quem sabe em outro tempo essa ausência faça em mim a presença ou que outra ausência me faça preencher mais espaços vazios de você.

“A Eterna Ausência

Eu aguardei com lágrimas e o vento
suavizando o meu instinto aberto
no fumo do cigarro ou na alegria das aves
o surgimento anónimo
no grande cais da vida
                                           desse navio nocturno
que me trazia aquela com lábios evidentes
e possuindo um perfil indubitável,
mulher com dedos religiosos
e braços espirituais…

Aquela mulher-pirâmide
                                           com chamas pelo corpo
e gritos silenciosos nas pupilas.

Amante que não veio como a noite prometera
numa suspensa nuvem acordar
meu coração de carne e alguma cinza…

Amante que ficou não sei aonde
a castigar meus dias involúveis
ou a afogar meu sexo na caveira
deste carnal desespero!…

António Salvado, in “A Flor e a Noite””

Ausência com Cesária Évora

Aproveito também para homenagear uma ausência que nos preencherá de bons sons e nos deixará uma enorme lacuna no cenário musical, Whitney Houston

 

 

Não Tem Solução…

No último post eu só reclamei.

Mas foi um final de ano bastante complicado.

Mas vou afirmar que por mais que tudo pareça estar errado, sempre tem o outro lado da moeda.

Passei um réveillon de grande reflexão e algumas arrumações. Internas, externas, na mente, no coração e no corpo. Entendimentos de que “infelizmente nem tudo é, exatamente como a gente quer”. Paciência.

Eu queria rir até a barriga doer, descobrir cheiros novos – mesmo que nos mesmos lugares -, ter o prazer da doce presença de mãos afagando, abraços apertados, segredos saborosos nos ouvidos com vozes sussurradas, dormir por horas de conchinha, ver filme a tarde, cozinhar no fogão a lenha lado a lado, receber os amigos que querem o mesmo sempre, ver a lua enchendo e a lua cheia, ficar na rede jogando conversa fora com a brisa do final de tarde, e pular da cadeira com o pé direito na meia noite, lado a lado e olhar no fundo dos olhos e dizer: Noooossa, como eu te amo!

Pois é…

E recendo amigos em casa, resolvemos enfim, mexer nos baús de fotos para fazer o tão prometido mural que há tempos adio.

Foi fantástico me reencontrar e enxergar tudo que vivi, que fui, que sou e que certamente serei.

Nas aulas de teatro que ministro, sempre digo que se existe um exercício importantíssimo na formação de um ator é a colcha de retalhos que costuramos dentro de nós, tecida com tudo que absorvemos culturalmente. Somos o resultado de todas as peças de teatro que assistimos, exposições que visitamos, show que vemos, livros que lemos, filmes que nos emocionamos e conversas e convivência com aqueles experientes a quem admiramos. Somos seres antropofágicos. Precisamos absorver arte para fazermos arte.

E vendo meu histórico fotográfico, me lembrei do que construí para mim. Me lembrei de tudo que me formou, de tudo que absorvi, de todos os lindos amores que vivi, os trabalhos que me envolvi, amigos que cultivei, lugares que morei pelo mundo, mesas que frequentei e vi o quanto cresci em todas as minhas escolhas.

Já valeu a pena demais.

Ficar orgulhosa de ter tido a coragem de me desgarrar do jugo familiar tão cedo e me lançar mundo a fora, errando e aprendendo muito.

Também captei que jamais devo me desviar do meu caminho. Que de forma nenhuma e nem por ninguém eu devo me afastar nem um milímetro de tudo que sou eu, dos meus desejos, minhas vontades, meus amores, minhas lutas, aquilo tudo que construí e que me faz ser. E que a cada dia novos desafios virão e eu tenho que estar sempre atenta.

Atenta às minhas crenças e a realidade que escolhi.

Acabei por dar gargalhadas e não só a barriga doeu de rir como também chorei de alegria.

E acho que estou novamente renascendo. Já nem me lembro mais quantas vezes tive que arrancar toda a pele e sair da fogueira pra me sentir inteira novamente.

O primeiro show que fui assistir nesse ano novo foi o de Nana Caymmi. Nana é uma das que aparecem em muitas fotos da minha galeria. Somos amigas há muitos anos. E vê-la, na primeira semana do ano, foi um esplendor.

Não falei com ela antes dela entrar em cena e nem sabia que ela tinha sido avisada da minha presença.

Fiquei comovidérrima por ter sido homenageada por ela que me dedicou uma das canções do show.

E fiquei muito surpresa pela canção que ela escolheu para dizer do amor que sente por mim.

Veio como uma luva para essa nova fase em que pretendo redescobrir o amor por mim mesma.

É não tem solução, ou melhor a solução agora é acreditar que tudo vai para o lugar que deve ir, assim como as fotos da galeria, os livros na estante, os papéis guardados ou jogados na lata do lixo, a mesa do escritório enfim vazia, as roupas que não são usadas agora descartadas, as escritas atualizadas, os projetos sendo tocados, os telefonemas respondidos e o amor que sinto, bem esse é bem meu e só eu sei onde vou colocá-lo.

Um belíssimo ano de 2012 a todos e pelo amor a vida, sejam felizes.

https://youtu.be/w-xobag1DBw